1- De cada vez que um treinador ou jogador dizem «o importante é ganhar, não importa como», há uma foca bebé que morre à paulada. Porque o «ganhar» depende de um conjunto de fatores que só em parte resultam do seu trabalho. Já o «como» é a essência desse trabalho: a escolha de um caminho coletivo, que tem os resultados como consequência.

Valorizando a recompensa, a frase tem o efeito prático de desvalorizar o trabalho que a precede. E assim ajuda a persuadir os adeptos de que «recompensa» e «trabalho» são palavras que se opõem. Mais vírgula menos vírgula, é uma ideia que serve de alibi aos mais variados atropelos e nos tem conduzido a sítios muito pouco recomendáveis. Era importante lembrarmo-nos disso quando for o nosso lado a «ganhar, não importa como». E aqui já não se fala só de futebol, obviamente.


Melilla, Espanha, 22/10/2014 (foto Reuters/José Palazon)

2 - São onze, mas não são bem onze: são muitos mais. Na quarta-feira, quando esta foto foi tirada, estavam outros 400 fora do plano, no cimo da vedação. Como muitos milhares antes deles, tentavam passar a salto a fronteira de Marrocos para Espanha, da pobreza para o desconhecido. Em Melilla, onde a Europa se cerca de África e mar, as vedações não são em sentido figurado. O campo de golfe tem vista para a ML-300, à frente, mas a vegetação está lá para lhe tapar o lado que não é para se ver.

São onze, mas não são bem onze, são onze mais um: ao lado deles, sobre a direita da imagem, um pouco à margem, no cimo da escada, está um elemento da Guardia Civil que os observa e tenta manter a ordem, a estabilidade, a integridade das fronteiras e outras palavras importantes. Não se vêem, mas pressentem-se os outros, cá em baixo, atrás da vegetação, prontos a agir quando aquele improvisado segundo anel tentar descer.

São onze, mas não são bem onze: são onze mais dois. Cá em baixo, entre as palmeiras, um homem e uma mulher preparam o «drive», com a solenidade que estes momentos reclamam. A mulher olha em frente, para o lado europeu. O homem olha para o outro lado, mas está demasiado longe para percebermos se a olha a ela, ou se os olha a eles, os onze do segundo anel. Os onze acima do par.

São onze, mas não são bem onze. Somos nós, que olhamos a fotografia e começamos por ver o verde do campo de golfe. Depois os golfistas, depois a vegetação e só depois os vemos a eles, lá em cima. Eles, que olham para o lado de cá. E que provavelmente não nos veem, como nós não os teríamos visto sem o milagre de encenação da objectiva de José Palazon.

De cada vez que alguém diz que «política e desporto não devem misturar-se», há um um golfista que falha um «drive» em Melilla, perturbado pelo ruído que vem do segundo anel.