Em quantos momentos se pode começar a contar uma história? E em quantos momentos se pode dividir esse momento inicial? É nisso que penso quando vejo Modric pousar a bola no quarto de círculo e tomar balanço. Faltam três segundos para que se reescreva na Luz uma história antiga. Três segundos que demoraram 40 anos a viajar do pé direito de Schwarzenbeck



para a cabeça de Sérgio Ramos.



Se virem frame a frame, esta história começa a ser reescrita no bloqueio de Morata. É essa parede que deixa Godin um passo para trás, quando Ramos inicia a corrida que vai fazer o Atlético Madrid reviver um pesadelo com 40 anos. Tiago, a defender à zona com Gabi, percebe onde a bola vai cair, e salta para compensar o atraso do colega, mas já é tarde: no frame seguinte – este – a cabeça de Sergio Ramos já encontrou a bola no ângulo exacto para fazer a ponte aérea Bruxelas 1974-Lisboa 2014.



E, no entanto, na minha cabeça, era outra a história que se ia contando, já há alguns minutos. Mais precisamente desde que as entradas de Isco e Marcelo tinham transformado a última meia hora numa contagem decrescente - tique-taque, tique-taque - com meta à vista. Com Platini na tribuna de honra, entre as acelerações de Di María e a elegância com que Modric ia entornando ideias pelo relvado da Luz, vinham-me à memória flashes de um outro cerco com 30 anos, no Vélodrome de Marselha, em que o tique-taque, tique-taque começava a soar a fatalidade.


France - Portugal 3-2 (Euro '84)

Era isto que revia, enquanto via o Atlético a perder peças pelo caminho, esgotado na dimensão da proeza que estava quase a conseguir. E por cima dessas imagens, que há 30 anos me ensinaram a ter medo de relógios que não andam, revia ainda outras, desse cruel verão de 1984, na tarde em que Nigel Mansell me ensinou que por vezes nem toda a vontade do mundo nos faz chegar à meta:



E quando a bola saiu da cabeça de Sergio Ramos e o círculo se fechou, apesar das 1001 maneiras com que se pode recomeçar esta história, percebi que só tinha uma forma justa de terminá-la: recuperando o primeiro nome que escrevi neste texto, o nome do homem que pousou a bola no quarto de círculo. Em toda a loucura da final da Luz – tique-taque, tique-taque – foi o único a ter a hora certa, do primeiro ao último minuto, sem atrasos nem avanços, com a certeza dos que sabem ter o tempo do seu lado. Jogas tanto, Luka Modric, meu sacana! Que horas tens?